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Foto do escritorThomás Vieira

Mate, medialunas e livros

No mês de abril fui convidado a participar do programa Cantos do Sul da Terra da TVE em razão da comemoração do "Dia do Livro", em 23 de abril, data escolhida pela UNESCO em referência ao falecimento de Miguel de Cervantes e William Shakespeare em 1616. Aqui neste canto do mundo lembramos que no mesmíssimo ano, falecia também o Inca Garcilaso de la Vega, peruano, conhecido como primeiro escritor das Américas, que escreveu sobretudo sobre cultura andina de antes da invasão europeia. Há alguma controvérsia quanto a estas datas, contudo, está feita a homenagem.


Eu não pude assistir ao episódio no dia em que foi ao ar na televisão, porque fui até a Argentina para participar da Feria Internacional del Libro de Buenos Aires, uma das mais importantes das Américas e que foi um grande sucesso, apesar do alerta emitido pela Camara Argentina do Livro, meses antes, sobre o risco de o evento ser impactado pelo desabastecimento de papel. O preço da matéria prima está subindo acima da inflação, que já está alta por lá, e ultrapassa a metade do preço de venda dos livros.


As editoras pequenas e independentes são as mais afetadas com o agravamento desse problema, e consequentemente, a bibliodiversidade (ou seja, a diversidade cultural e de ideias) é enfraquecida. A maioria das novidades editoriais vêm dessas editoras, que se arriscam mais e apostam em novos autores. Estes, por sua vez, só chegam em editoras grandes depois de obterem algum sucesso. Esse comportamento é semelhante no mercado brasileiro. A Pesquisa Produção e Vendas do Setor Editorial Brasileiro (Nielsen) aponta que só 16% dos 390 milhões de exemplares impressos no Brasil em 2021 foram de novos títulos.[1] Os números também se explicam pela necessidade desses editores trabalharem com tiragens ainda mais reduzidas em relação aos grandes grupos editoriais, justamente por, além de outros motivos como capacidade de distribuição e divulgação, sentirem impacto orçamentário maior com o aumento do custo do papel.


Com tudo isso, as Jornadas profesionales, impecavelmente organizadas, e a feira exemplarmente diversa, proporcionaram encontros que reverberarão muito positivamente no futuro da Coragem. Assim como o Festival Nacional de Folklore de Cosquín, a feira porteña entra para minha agenda anual. Pude conhecer editores e livreiros geniais e entusiasmados em compartilhar conhecimento comigo, e aprender de perto com quem faz acontecer projetos em editoras que me inspiram, como Ediciones Futurock e Fondo de Cultura Económica. Agradeço especialmente ao professor Ulisses Gorini, pelo café, por confiar em nosso trabalho e pelas conexões que me ajudou a construir. É um desafio para pequenos editores contatar e negociar direitos autorais no exterior, trabalho este que realizo, literalmente, "indo atrás na cara e na coragem". Perscrutei atentamente desde a Avenida Corrientes até "El Tugúrio" (!?), iniciando sempre com um café com medialunas e ao entardecer mateando enquanto analiso os achados do dia. Ainda que seja falsa a ideia de que Buenos Aires teria mais livrarias do que o Brasil inteiro, trata-se da capital com maior quantidade de livrarias per capta do mundo e isso é notável. Em meio à bares, restaurantes, cinemas e teatros, é possível visitar as livrarias até tarde da noite e normalmente elas estão bastante cheias. Admito que invejo esse clima e imagino como seria um evento como La noche de las librerías em Porto Alegre. Bueno, retornarei em agosto para a Fería de Editores, neste ano ainda como visitante, mas um dia com nossa banquinha.


Me demorei para publicar este texto, que ficou de molho por muitas semanas, pois queria a confirmação formal dos projetos de que falo aqui. Retornei com a bagagem cheia, mas não só de livros: terei a honra de publicar mais três grandes autores argentinos no Brasil e fiz duas novas parcerias com livrarias argentinas que comercializarão nossos livros no exterior pela primeira vez. Eles se juntam às publicações chilenas, peruanas, bolivianas e uruguaias que, com muito orgulho, formarão nosso catálogo no próximo ano.


Coisas interessantes acontecerão nos próximos meses.


[1] https://snel.org.br/wp/wp-content/uploads/2023/05/apresentacao_imprensa_completa_OK.pdf.


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