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Primeiro de maio

Hoje é dia o do trabalhador, e, como em boa parte dos nossos feriados, perde-se o significado pelo qual a efeméride existe. Não faço aqui um juízo de valor ou uma acusação; há tempo que os feriados são um respiro na dinâmica trabalhista alucinante da contemporaneidade, intensificada pelo esgarçamento do horário de trabalho, a partir da disponibilidade que a facilitação da comunicação remota confere ao trabalhador e, agora, pelo esgarçamento, também, do espaço de trabalho, uma vez que a lógica da casa-escritório, muito difundida nesse contexto de pandemia, apesar de oferecer um certo conforto em certos aspectos, faz, como o próprio nome diz, da residência um espaço laboral, criando uma intersecção entre a vida privada e o trabalho que exige cuidado.


Com o texto de hoje objetivamos oferecer ao leitor da Editora Coragem um resgate do significado dessa data do primeiro de maio, o porquê desse marco, quais agentes e quais fatores históricos se relacionaram com o processo que estabeleceu a data como dia internacional do trabalho, em que contexto surge. A consolidação da data não foi um canetaço de Artur Bernardes, em 1925; longe disso, foi resultado de uma demanda que, hoje em dia, pode parecer óbvia, mas que, à época, era considerada inviável pelos patrões: a jornada laboral de oito horas diárias. Não raro, no final do século XIX, trabalhadores eram submetidos a jornadas de 12 e mesmo 14 horas de trabalho. Assim, mobilizados pela indignação causada por essa realidade, os sindicatos operários estadunidenses convocaram, em 1886, uma greve para o dia primeiro de maio, dia em que, por tradição, nacionalmente, eram renovados os contratos de trabalho e de aluguel, conhecido como Moving Day[1].


Chicago era o epicentro da industrialização ianque no período e, nesta cidade, no dia três de maio, ainda em greve, reuniram-se trabalhadores em frente à fábrica McCornick, os quais foram brutalmente reprimidos pela polícia, com manifestantes sendo mortos a tiros[2], feridos e presos. No dia seguinte as lideranças desses protestos organizaram um comício na praça Haymarket, manifestando-se contra a repressão sofrida. Durante a dispersão, explodiu uma bomba entre os policiais, que abriram fogo contra os manifestantes, vitimando um grande número destes e ferindo outros tantos. Esse episódio ficaria historicamente conhecido como o “Massacre de Chicago” ou o “Massacre de Haymarket”. Em junho do mesmo ano foram julgados August Spies, Sam Fieldem, Oscar Neeb, Adolph Fischer, Michel Shwab, Louis Lingg e Georg Engel, por seu suposto envolvimento com a bomba, e, apesar de não haver qualquer indício substancial da relação destes com o acontecido, Parsons, Engel, Fischer, Lingg e Spies foram condenados à morte na forca, Fieldem e Schwab, à prisão perpétua, e Neeb, a quinze anos de prisão. Então, posteriormente, na Segunda Internacional[3], em Paris em 1889, é adotada a resolução que define o dia primeiro de maio, em homenagem aos trabalhadores de Chicago, como o dia internacional do trabalho.


Porém, neste primeiro de maio, muitos dos trabalhadores brasileiros não terão o dia em que se celebra a luta dos trabalhadores por condições de trabalho mais dignas como um dia de descanso. O número de empregos formais no Brasil vem em derrocada e, para boa parte daqueles que dependem do setor de serviços para dar vencimento aos custos básicos, em um contexto de pandemia, com um auxílio emergencial que sempre foi insuficiente e que vem sendo, progressivamente, reduzido a um valor cada vez mais irrisório, não há feriado. O processo nefasto de uberização[4] das relações laborais, que faz com que o trabalho, embora precário, seja encarado como um privilégio, dentro de um horizonte de perspectivas de emprego desesperador, aliena parte considerável da população brasileira de seu direito a esse momento de descanso, levando-a a trabalhar.


Nesse dia histórico de luta por direitos dos trabalhadores, é preciso colocar-se em pauta a progressiva destruição da relação formal de trabalho no Brasil, o retrocesso de vitórias até então consolidadas pelos trabalhadores brasileiros, a privação de direitos básicos à maior parte da população brasileira, como parte fundamental da necropolítica promovida por Jair Bolsonaro e seus apoiadores. Enfim, façamos desse primeiro de maio, mais uma vez, um dia de luta e de memória e, se possível, fique em casa.



  1. Santana, M. & Fraga, A. (2019). Primeiro de Maio - trajetória, dimensões e sentidos. Laboreal, 15 (1).

  2. O número de mortos varia entre 4 e 7, dependendo da fonte consultada.

  3. Organização que representou a continuidade do trabalho da Associação Internacional dos Trabalhadores(AIT), primeira organização operária a transgredir as barreiras de nacionalidade, contando com membros europeus e estadunidenses.

  4. Conforme entrevista com o sociólogo Ricardo Antunes, intitulada “Uberização do trabalho: caminhamos para a servidão, e isso ainda será um privilégio”. Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/591102-uberizacao-nos-leva-para-a-servidao-diz-pesquisador. Acesso em: 25/04/2021.


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