Série de entrevistas com os autores e autoras da Coragem contando sobre seus livros, referências e processos de escrita
Cada livro nasce de um caminho único. Desde as referências do escritor ou escritora até os hábitos e rotinas envolvendo a escrita, passando pelo que move cada um a escrever. Para conhecer as minúcias e diferenças desse processo, começamos hoje uma série de entrevistas mensais com os autores e autoras da Coragem.
Damos os primeiros passos da caminhada conversando com Matheus Barbachan, autor de O Templo. Matheus canta, compõe, escreve. Nascido em Porto Alegre, vive hoje em Florianópolis. A migração, embora tenha ocorrido após a escrita do livro, pode ser talvez adivinhada ou pressentida pelo tom dos poemas. Isso porque O Templo, seu primeiro livro, carrega fragmentos de diferentes momentos da vida do autor, embalados pela atmosfera onírica característica de sua poesia. Um livro que nasceu da necessidade de criar – assim ele o descreve.
Na entrevista, Matheus conta sobre sua trajetória escrevendo O Templo, sobre suas referências, sobre os movimentos da escrita. A escrita, ele nos revela, é para dentro e para fora. É uma luta contra o medo e uma viagem pelos intermundos que trazemos dentro de nós.
1. O que as pessoas podem esperar d'O Templo?
O Templo se constrói a partir dos 22 poemas selecionados. Pode-se ler como um convite para 22 momentos da minha vida. Os poemas todos nasceram da necessidade que senti de escrever, de criar, de abstrair certos momentos marcantes da vida. O Templo se ergueu através de uma jornada de vida em função da passagem do tempo, em função de amizades, de relacionamentos, cenas memoráveis e através de uma grande afinidade com as artes alquímicas.
2. Quais foram suas referências, que leituras foram presentes durante a escrita do livro?
Durante esse longo período, posso citar pelo menos duas influências que tive. A ideia de criar imagens e cenas misteriosas e aparentemente surrealistas me foi reforçada pelo livro “O Alquimista”, de Paulo Coelho. Também serviu de estudo e base para mim durante todo esse período um livro muito importante, com o qual fui presenteado misteriosamente por um estranho no centro de Porto Alegre: “O Despertar dos Mágicos”. O livro é uma iniciação ao realismo fantástico e aborda toda espécie de assunto. Muito mais do que apenas o fato de ser uma espécie de Grimório coletivo de Louis Pauwels e Jacques Bergier, marca para mim uma Iniciação inusitada às artes da Alquimia e um marco na minha vida.
3. O que a escrita representa na sua vida?
Muitas vezes é um mecanismo de descoberta de si, um caminho para o autoconhecimento. Em outros momentos é até mesmo uma estrutura que me leva para lugares inéditos, imprevisíveis, então também é uma forma de explorar o mundo. Para fora: posso estar em lugares onde realmente nunca pus os pés, lugares que até mesmo não existem na nossa dimensão. Para dentro: pois existem infinitos mundos dentro de nós, dentro de nossas almas e mentes. A escrita vira como uma agente de viagens, nos representando e nos conduzindo por esses intermundos.
4. O Templo é dedicado “aos caçadores de si, que viajam às dimensões íntimas”. Como essa caça-viagem acontece pra ti?
É uma constante luta contra medo e sabotagem constantes. Ser uma pessoa que escreve é vencer o medo constantemente. A luta acontece nos sonhos e no estado desperto. É saber que existem legiões para serem combatidas, tratados e negociações para serem feitas com outras versões de si. Uma malhação emocional e mental para ser encarada. Assim que nos acostumamos com essas batalhas, elas viram a moldura para a quintessência que é produto de se permitir criar, expressar e trabalhar em construções como foi para mim erguer O Templo. Nunca enxergo o mesmo caminho. Cada dia sugere um novo para mim. Então essa caça é uma caça por caminhos, é uma curiosidade infinita e uma busca por coragem e maturidade para encarar o que encontro ao buscar ir cada vez mais para dentro para perceber o mundo que me cerca.
5. Os poemas do livro são elementos independentes, mas criam algo novo juntos, como uma alquimia ou infusão. Conta mais sobre como foi esse processo de escrita.
Eu escrevi O Templo, “tijolo por tijolo”, durante um período que durou dez anos. Sinto como se o livro fosse uma coletânea de várias almas-autoras que me constituem que, a partir das vivências e dos seus momentos, criaram os 22 poemas-retratos que foram selecionados de um grupo duas vezes maior de poemas. Foram poemas-rascunhos, poemas-processo, foi preciso refinar da matéria bruta o que fez mais sentido e o que combinava melhor para retratar esse Templo. Assim que estavam juntos, sabia que algo novo surgia, algo que caminhava com as próprias pernas. Foi então que percebi que cada exemplar é um Templo singular, é o Templo que aquela pessoa vai erguer ao assimilar as 22 mensagens partindo do seu ponto de vista, de sua vivência, seu processo. Fico satisfeito ao perceber que isso é uma forma de alquimia.
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